Site StartSe junho 2020 Aprender, reaprender, desaprender: a nova carreira
Artigo de Adriano Lima* publicado originalmente no site da Startse
Certa vez, li uma reportagem que dizia que essa Quarta Revolução Industrial que vivemos era interpretada por muitos trabalhadores como uma perda de significado. Era como se muitos não conseguissem mais enxergar valor no seu trabalho perante a nova readequação digital. Fiquei refletindo alguns dias sobre essa frase. Eis que uma colega me narrou uma história que ajudou a elucidar a frase.
Na redação onde ela trabalhava, havia um senhor que revisava os textos jornalísticos. Ele mantinha a sua rotina de acordar cedo todos os dias para ir à redação, mesmo que o ofício não exigisse essa assiduidade. Ao chegar ao ambiente de trabalho, ele batia um longo papo com a primeira pessoa que ele conseguisse puxar uma conversa e depois começava a revisar os textos. As reportagens eram impressas para que ele pudesse fazer suas considerações à caneta.
O revisor manteve essa rotina durante quase duas décadas, mas certo dia uma decisão da organização o deixou na berlinda. Para diminuir os custos com o pagamento de aluguel de escritório, a redação seria fechada e cada profissional teria de fazer seu trabalho de casa. Isso significava que todos teriam de escrever, revisar, editar e diagramar o material a distância com seus respectivos computadores.
Naquele momento, o revisor percebeu que sua contribuição à empresa se encerraria ali. Durante os vinte anos que trabalhou na editora, ele não pensou em se reciclar, em aprender habilidades digitais com seus colegas mais novos. Gostava de falar pelos corredores sobre os dias de glória de seu trabalho, em como contribuiu para que grandes reportagens fossem publicadas, porém nunca pensou que a transformação digital atingiria o seu ofício. Sem saber como revisar textos no Word e enviá-los por e-mail, seu trabalho perdeu significado.
Todos são afetados pela Revolução
Existem diversas histórias como a narrada espalhadas hoje no mercado de trabalho, ainda mais com a ressignificação do ambiente de trabalho no mundo pós-pandemia. Pessoas que não correram atrás de novas habilidades, que se mantiveram indiferentes às novas tecnologias, perderam o trem da carreira e da empregabilidade.
Depois desse choque virtual observado na quarentena, vagas sem a exigência de conhecimentos digitais passarão a ser cada vez mais raras. O debate no mundo pós-pandemia não será mais se o talento possui ou não habilidades digitais, mas sim o nível de reciclagem desses conhecimentos.
Olhando para o cenário mais amplo, a Covid-19 foi um importante ponto de inflexão para a transformação digital do local de trabalho e as organizações precisarão, urgentemente, de especialistas nas chamadas tecnologias emergentes como internet das coisas (IOT), blockchain e machine learning. No mundo pós-digital, como pronunciado pelo historiador Yuval Harari, haverá um contingente de “inúteis”, trabalhadores não qualificados que ficarão desempregados se não estiverem habilitados para trabalhar lado a lado com as máquinas.
Mas engana-se quem pensa que os “inúteis” estão apenas em cargos mais operacionais. Como coach executivo, já vi muito líderes da alta gerência se queixando de como as novas tecnologias tiram o sono deles. Muitos estavam acostumados a comandar a organização sem muitos revezes, fazendo pequenas mudanças em espaços longos de tempo. Mas com a transformação digital, seguida da disrupção em seus mercados, esse cenário mudou.
O que muitos não entendem é que nesses tempos de mundo em constante transformação, precisamos nos reinventar quase todo dia. Eu mesmo já passei por essa transformação radical. Trabalhei durante anos em organizações tradicionais, não conseguia observar um mercado de trabalho em que as pessoas tivessem autonomia, em que elas pudessem trabalhar de casa, cenário este que vemos hoje durante essa pandemia. Mas me forcei a olhar além dos muros organizacionais. Estive por três vezes no ecossistema do Vale do Silício para adquirir novas habilidades e entender como eles estavam reinventando novos modelos de gestão baseado no significado do trabalho das pessoas e em suas entregas. A primeira vez em uma learning experience da StartSe que foi um momento de inflexão em minha carreira e vida.
Sai dessa experiência com novas perspectivas e, desde então, incentivo meus coachees a seguirem o mesmo caminho. Todo profissional precisa investir no lifelong learning, no aprendizado contínuo, seja por meio da educação formal, indo a eventos, fazendo networking ou participando de imersões em outros ecossistemas.
Movimento do reskilling
O mercado de trabalho estático não existe mais. Estamos à beira de um mundo repleto de possibilidades de automação, análise de dados, inteligência artificial (IA) e outras tecnologias emergentes. Mas para garantir a produtividade no novo contexto há uma intensa necessidade de requalificação da força de trabalho para o ambiente digital.
Essa é, por sinal, uma questão que já preocupa quase metade dos CEOs globais. Para 52% desses líderes, de acordo com pesquisa da PwC, é prioridade número um aumentar a força de trabalho digital existente. Mas ninguém sabe ao certo como acelerar esse aprendizado. Trata-se de um problema complexo que exigirá um trabalho em conjunto dos tomadores de decisão, dos profissionais e governos.
Alguns profissionais conseguem observar esse movimento e serem donos de suas carreiras, mas outros permanecem em estado catatônico diante dessas novas demandas. Pensando nisso, algumas organizações criaram o movimento do reskilling ou upskilling cujo lema é “todos devem poder viver, aprender, trabalhar e participar do mundo digital”. A ideia é requalificar profissionais para que eles sejam reconduzidos ao mercado de trabalho em novas funções.
E, nesse ponto, a qualificação não é apenas uma questão de ensinar às pessoas como usar um novo dispositivo – afinal, a tecnologia empregada pode estar obsoleta no próximo ano. A experiência de qualificação requer aprender a pensar, agir e prosperar em um mundo on-line. É a experiência de gerar um mindset digital, observando a exponencialidade e deixando de lado a linearidade com a qual fomos ensinados desde pequenos. É o eterno aprender a desaprender.
*Adriano Lima é sócio fundador da AL+ People & Performance Solutions e da Neon Pagamentos, Coach Executivo de CEOs formado pela Columbia University e Conselheiro de empresas certificado pela IBGC. Além disso, é palestrante, escritor e executivo sênior com passagens em posições de Liderança Global e América Latina de áreas de Pessoas, Cultura, Estratégia e Atendimento ao cliente.