Site Época Negócios – agosto 2020/ Quem você está se tornando nessa jornada?
É importante entender como você está desempenhando seus papéis, e como eles estão equilibrados na sua agenda
Ele sempre chegava uns dez metros na minha frente em qualquer evento a que eu comparecia. Em alguns casos, nem citavam o meu nome. Era comum se referirem a mim como: “Pessoal, esse é o vice-presidente da empresa X”. O personagem chegava na frente do indivíduo.
Costumamos relacionar o termo personagem aos papéis representados por um ator ou uma atriz a partir de uma figura humana fictícia atuante de uma história ou obra criada por um autor seja no teatro, na televisão, no cinema. A palavra deriva de “persona”, que no grego nomeava originalmente o orifício, no local da boca, nas máscaras de teatro pela qual a voz do personagem era “personificada” pelos atores. O mundo corporativo possui seus personagens também. Até aí, não tem nada de mais. Acredito que somos seres humanos únicos que desempenham alguns papéis na vida. Papel de mãe, de pai, de irmã, de irmão, de profissional, de atleta, e por aí vai.
O problema para mim reside no tamanho do personagem. Executivos que assumem a identidade corporativa de tal forma que essa se sobrepõe à sua individualidade. No caso do personagem executivo, quando ele se torna maior que todos os outros papéis e ocupa um espaço desproporcional na vida da pessoa. Quando o espaço desse papel é extremamente superior aos outros na agenda, nas interações e na sua própria identidade. Certa vez, lembro que ao chegar a um evento da área de recursos humanos, me aproximei de uma roda de colegas e uma conhecida prontamente me apresentou a alguns que eu não conhecia: “Chegou a MasterCard”. Eu, mais que prontamente, respondi: “opa, chegou Adriano, carioca, casado, vascaíno, etc. Eu trabalho para e na MasterCard”.
O grande desafio do personagem executivo se dá quando ele se sobrepõe aos seus próprios valores. E eu passei por isso. Eu estava diretor de RH de uma instituição financeira, época que minha vaidade aumentou a um nível maior do que o aceitável, se é que existe nível aceitável para tal, por responsabilidade única e exclusiva minha. Aliado a isso, o ambiente exigia que eu fosse mais duro e assertivo. E esses traços acabaram sendo mais incorporados e consequentemente foram extrapolados em minha relação com amigos e até em casa. Naquele momento, por alta representatividade do personagem executivo em minha vida, acabei não prestando atenção aos impactos. Anos depois, vi o quanto me prejudicou em minha própria relação familiar bem como com colegas do mercado. Vi senhores se aposentando numa empresa de consumo que trabalhei e se arrependendo de terem priorizado tanto o personagem executivo em função de status, poder, recompensa financeira. Não participaram do crescimento dos filhos, não deram atenção à saúde, pareciam se arrepender e pareciam não estarem felizes. Alguns chegavam a chorar comigo e era interessante ver aqueles senhores tão poderosos ali tão frágeis perante e realização desse balanço da carreira e da vida.
Aprendi que o mais importante é termos um nível de consciência aumentado e ativo para podermos entender como estamos desempenhando os nossos papéis, como eles estão equilibrados em nossas agendas por mais que saibamos que dependendo da fase de vida, um papel ou outro deva ter mais representatividade. A minha definição de plenitude, de um tempo para cá, depois dessas experiências que passei, é estar consciente e em paz com as escolhas que fazemos.
*Adriano Lima é sócio fundador da AL+ People & Performance Solutions, conselheiro, coach executivo e palestrante