Você SA janeiro/2018 – O Personagem Executivo
Costumamos relacionar o termo personagem aos papéis representados por um ator ou uma atriz, a partir de uma figura humana fictícia, atuante de uma história ou obra criada por um autor, seja no teatro, na televisão ou no cinema. A palavra deriva de persona, termo que na Grécia antiga nomeava originalmente o orifício das máscaras de teatro, à altura da boca, por onde “personava” a voz dos atores. O mundo corporativo possui seus personagens também. Até aí, não tem nada de mais. Acredito que somos seres humanos únicos, que desempenham alguns papéis na vida. Papel de mãe, de pai, de irmã, de irmão, de profissional, de atleta, e por aí vai.
O problema para mim reside no tamanho do personagem. Há executivos que assumem a identidade corporativa de tal forma que essa se sobrepõe à sua individualidade. O personagem executivo se torna, assim, maior que todos os outros papéis, ganhando uma importância desproporcional na vida da pessoa. Isso ocorre sempre que o espaço desse papel se torna extremamente superior aos outros no que se refere à agenda, às interações e à própria identidade do indivíduo. Certa vez, ao chegar a um evento da área de recursos humanos, me aproximei de uma roda de colegas e uma conhecida prontamente me apresentou a alguns que eu ainda não conhecia, dizendo: “Chegou a MasterCard”. Eu, mais que prontamente, respondi: “Opa, chegou Adriano, carioca, casado, vascaíno, etc. Eu trabalho para e na MasterCard”.
O grande desafio envolvendo a questão do personagem executivo reside exatamente na questão dos valores, quando o papel se sobrepõe às próprias crenças. E eu passei por isso. Eu estava diretor de RH de uma instituição financeira e, reconheço hoje, àquela época minha vaidade alcançou um nível maior que o aceitável – se é que existe nível aceitável para tal. De quem foi a responsabilidade? Única e exclusivamente minha, ainda que seja plausível lembrar que traços como esse encontram lugar fértil em algumas indústrias, sendo mais bem percebidos nessas atividades do que em outras. Além disso, havia o fato do ambiente exigir de mim uma postura mais assertiva e dura, aspectos que acabaram sendo, de certa forma, incorporados com algum exagero, extrapolando mesmo para as relações pessoais e até em casa. Naquele momento, devido à alta representatividade do personagem executivo em minha vida, acabei não me dando conta da situação, nem prestando a devida atenção a ela. Somente anos depois pude perceber o impacto de tudo isso na relação com familiares, amigos e colegas do mercado.
Em minha trajetória, pude testemunhar vários profissionais que, ao chegar à aposentadoria, demonstraram franco arrependimento pelo fato de terem priorizado tanto o personagem executivo, algo que fizeram em busca de status, poder e recompensa financeira. O preço a pagar foi alto: a não participação no processo de crescimento dos filhos, a falta de atenção com a saúde, o descuido com as relações e tantas outras questões. No fim das contas, não pareciam estar felizes.
Tenho aprendido que o mais importante é termos um nível de consciência aumentado e ativo para compreender de que modo estamos desempenhando os nossos papéis e como eles se equilibram em nossas agendas. Esse deve ser um ponto de atenção constante, por mais que saibamos que um papel ou outro acabe tendo de ganhar mais representatividade, dependendo da fase de vida. Após as experiências vividas e muita reflexão, tenho para mim que a definição passa por estar consciente e em paz com as escolhas que fazemos.
Seguindo a linha da antroposofia, ressignifiquei questões importantes de minha vida e carreira. A partir de um processo de mapeamento biográfico, cheguei a um propósito claro para guiar meus passos – o de contribuir para uma valorização genuína da gestão de pessoas, dando minha contribuição para que as relações entre as organizações, entre os indivíduos e entre as empresas e as pessoas possam ser mais verdadeiras.
Este é meu primeiro artigo para a Você S.A. e você, amigo leitor, pode ter a certeza de que verá sempre nesse espaço um pouco da vida corporativa como ela é, em reflexões pautadas não apenas em minha própria experiência, mas também na de executivos, conselheiros e acionistas de grandes empresas com os quais aprendi muito nesses anos todos.