Site Época Negócios – abril/2020 Trabalho remoto: do controle para a confiança
A crise instalada por uma pandemia desafia os gestores a aprenderem e evoluírem um modelo de gestão mais baseado na confiança do que no controle
Foi quando Pedro, do alto de seus 22 anos, me deu uma pancada boa para acelerar meu processo de metamorfose. “Adriano, aqui nós não somos cobrados. Somos incentivados e reconhecidos. Incentivados com metas muito audaciosas e reconhecidos se as superarmos. E se não superamos as metas, entra em ação um plano de desenvolvimento. Em último caso, se a pessoa não mostra melhoria e resultados consistentes, ela terá consequências também que podem levar ao desligamento.”
Aquela viagem e todos os aprendizados dela foram o epicentro de minha jornada de reinvenção. E quando falo jornada, quero enfatizar que a considero um processo sem fim, que ainda estou apenas começando. Desde então, iniciei o processo de ressignificar, estudar e disseminar os conceitos de relação de trabalho.
Um dos aprendizados mais marcantes foi observar que boa parte das empresas do Vale do Silício não possuem mais o “job description”, a tal descrição de cargo, metodologia ainda usada por tantas empresas e seus RHs. A descrição de cargo é um instrumento praticamente arcaico. Gasta-se muito tempo discutindo os termos da descrição do cargo, que quando são publicadas já não atendem à nova realidade; as transformações no mercado estão sendo quase que diárias. E o mais importante: não foca no mais relevante de um cargo, os entregáveis, o que os americanos chamam de “job outputs”.
Aquelas empresas que conheci, naquela primeira viagem à California, tinham sim suas culturas peculiares e fortes, mas havia alguma outra liga ali que fomentava novas formas de trabalho: uma gestão inovadora. Os engravatados e sua visão de comando e controle saiam de cena para dar lugar aos novos empreendedores de calça jeans e sapatênis, pouco preocupados com a forma, com status, mas com os resultados, construção de soluções incríveis e impacto na sociedade. A vaidade não é pelo cargo, sim pela execução de sua ideia. A Vaidade intelectual.
Um dos primeiros paradigmas quebrado pela garotada do Vale do Silício foi o estabelecimento de horários e locais de trabalho fixos. Não havia mais lógica para a manutenção desse sistema quase primitivo. O advento das novas tecnologias possibilitou aos profissionais trabalharem a qualquer momento, de qualquer lugar, seja do celular, do notebook, tablet ou desktop. As palavras “anytime, anywhere, any device” passaram a ser um mantra para os colaboradores dessas empresas.
Garantir a autonomia do colaborador, porém, com responsabilidade, sem as amarras do comando e controle, foi o segundo passo. Ao invés de estruturas rígidas e hierárquicas, essas organizações investiram em comunicação mais transparente em redes e em metodologias ágeis de projetos, onde em um dia você lidera e em outro dia é liderado. Porém, sem deixar de ter foco em resultados, alta performance, pelo contrário.
Portanto, o desafio para implementar modelos de gestão inovadores em empresas mais conservadoras e tradicionais não está nas mudanças de ordem incremental, aquisição de novas tecnologia ou processos. O entrave está centrado na cultura e na liderança dessas organizações, ainda muito baseadas na questão de comando e controle.
Procuro desafiar a mim e a tantos outros líderes a mudarem esse modelo mental. Não é o medo de perder o emprego que levará o profissional a ser produtivo. O fato de o profissional estar fisicamente, das 9h às 17h, no escritório, tampouco significa que ele está sendo eficiente. Muitas vezes o nível de distrações, as conversas paralelas, o “embromation” e as reuniões prolixas realizadas nos ambientes físicos da organização levam a improdutividade.
Nessa gestão de pulso firme, tudo, obrigatoriamente, passa pela cadeia de comando da organização, mas sem metas claras. Isso restringe as pessoas, as torna menos criativa e faz com que esse tipo de gerenciamento seja impotente.
Como observei nas minhas visitas ao Vale do Silício, times que entregam acima da média, as chamadas equipes de alta performance, trabalham num outro ambiente. São pessoas engajadas, que têm um grande senso de pertencimento e entendem qual é o papel delas na organização. Essas pessoas sabem que se errarem isso faz parte do processo de aprendizado e que sempre terão alguém da equipe para apoiá-los, seja nas falhas ou nos acertos.
A autonomia profissional, com a devida responsabilidade, e a clareza na comunicação de metas são ferramentas fundamentais para migrarmos desse mindset arcaico para um mais inovador conectado a atual transformação digital.
Quando a organização define bem o que espera de seus colaboradores, por meio desses entregáveis, o contrato social entre profissionais e empresa fica mais claro. Falar para um gestor de vendas que ele e sua equipe precisam vender e se comunicar bem com os consumidores é uma direção vazia, não há como mensurar o significado real dessas palavras. Agora, se você indica para esse profissional que as vendas e a satisfação do cliente devem aumentar em média 15% é mais fácil dele entender e responder precisamente a essa demanda. Já dizia o estatístico e escritor Edward Deming, “sem dados, você é apenas mais uma pessoa com uma opinião”.
Sendo assim, e mais do que nunca, nesse momento de crise e necessidade obrigatória do trabalho remoto, reforço a tese de que para enfrentar os desafios do futuro do trabalho e da nova economia não devemos nos apegar a questões circunstâncias como horário e local de trabalho. As equipes precisam deixar de ser estruturas isoladas, que dependem de funções e responsabilidades claras e hierarquia, para organismos colaborativos, autônomos e dinâmicos e flexíveis, com um conjunto claro de propósito e entregáveis, de acordo com as necessidades dos negócios.
A liderança precisa ser mais presente, inspiradora e apoiadora e menos controladora. Sem essa mudança de mindset, dificilmente as empresas sobreviverão às novas demandas e disrupções da sociedade.
*Adriano Lima é Sócio Fundador da AL+ People & Performance Solutions, Conselheiro e Coach Executivo